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2004-11-22

Excertos dispersos (1) 

"Deixei de chorar há muito tempo, quando as dores no corpo me começaram a doer mais do que as outras. É que, sabes?, chorar faz doer o corpo. A dor começa, aguda, nas mãos, na base do polegar. Depois sobe pelos braços, enrola-se na garganta e começam as convulsões. Então choramos, ou melhor, vertemos lágrimas, que todo este processo é já o pranto, em si mesmo.
Depois das lágrimas chega a dor generalizada. Todo o corpo te dói, como se estivesses a ressacar. Só em alguns momentos perdura o efeito do pós-orgasmo, mas são tão raros que não valem o risco.
(...)
Acima de tudo, dói-te. E ficas cansada. E envergonhada. E sentes-te patética, quer tenhas chorado sozinha ou o tenhas feito na presença de alguém.
Chorar é sempre embaraçoso. Como embebedar-nos. Sabes que fizeste figuras tristes, que te descontrolaste, mas não sabes muito bem como o fizeste.Como numa ressaca, o pior é sair desse estado, sair de novo para o sol.
Por isso deixei de chorar há muito tempo. Agora apenas encolho os ombros. Não me envergonho nem incomodo ninguém.
Além disso, chorar não é tão libertador como dizem. Deixa-te os olhos fundos, a boca descaída, as mãos frias.
Por isso encolho os ombros. Não te parece melhor? Bebes mais um copo, fumas mais um cigarro e, de óculos escuros, olhas o sol de frente e mostras-lhe o teu dedinho do meio."




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