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2004-11-29

Tendências 

Hoje um amigo disse-nos que, após algum tempo sem visitar o nosso blog, tirou alguns minutos do passado fim de semana (provavelmente por já não poder ver tanto Congresso na televisão –as nossas desculpas ao visado por tal dedinho político aqui espetado sem pedir licença, já perceberão porquê), decidiu actualizar a leitura do nosso modesto blog. Que é mesmo modesto, não tem pretensões a grandes análises ou a grandes tiradas literárias; serve para sacudirmos o pó de pneu que se nos vai acumulando no cérebro e isso já nos alivia.
Mas então o nosso amigo dizia-nos que saíu da leitura um pouco desiludido. Muita política, disse ele, e de esquerda.
Nós até sabemos que ele é assim para o alaranjado, mas estará o nosso blog a ficar vermelho, apesar do seu template em tons laranja? Fui analisar. Revi os posts do último mês. De cerca de trinta posts apenas encontrei quatro que poderiam ter melindrado a sua tendência social democrata. Os restantes são correr de tinta, excertos e até tretas.
Sabemos que tudo o que fazemos é política, mas nem vou seguir por aí. Aceitando que ele rotulou como políticos os posts com claras referências ao PCP, ao PSD ou ao Bush (ou será que também contou os do Arafat?), não chegam a meia dúzia. Entre trinta, estes tê-lo-ão incomodado assim tanto? Aparentemente, sim.
Os nossos posts são aquilo que somos, resumidamente. Aos poucos. O nosso modo de ver o mundo, nem sempre igual para as duas, é o que aqui se reflecte. A isso não podemos nem queremos fugir.
Então, mas se nós, tão timida e discretamente, assim incomodamos, somos levadas a concluír que quem fala e age com afinco, com determinação, com mais talento e sabedoria do que nós, meras operárias do cauchu, afinal vai agitando a malta. E como o que faz falta é agitar a malta...




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2004-11-27

O congresso do PCP 

Começou o congresso do PCP. Mesmo aqui à porta de casa. Passei por lá e vi a avenida embandeirada de vermelho, as pessoas com frio, cá fora, fumando um cigarro e conversando animadamente, pelo menos a julgar pelos movimentos de braços, pelos sorrisos de reencontro, pelas vozes que chegam aos nossos carros que passam ao lado, pela movimentação em geral.
À minha frente circulava um carro cujos condutor e ocupante abriram o vidro no frio do fim de tarde e de punho fechado e erguido gritaram palavras de solidariedade para quem está presente nos trabalhos. Sorri e pensei que, mais do que o natal, nas suas solidariedade e boa vontade pontuais, o ideal comunista aproxima as pessoas, e, instantaneamente, lembrei-me da Festa. É este o espírito. Ser-se comunista é um bonito modo de estar na vida.
Assim o congresso não nos desiluda e trace um caminho cauteloso, coerente e sim, renovador, dentro do ideal defendido por um partido com uma história pesadíssima.




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2004-11-25

Perdas de tempo 

Pois, é absurdo, eu sei. Mas aparentemente consegue escrever-se um livro de 233 páginas, enchendo-o de uma série de (pre)conceitos como os exemplificados (ainda por cima em português do Brasil; ainda por cima sexista; ainda por cima... absurdo):

Título do livro " PORQUE OS HOMENS FAZEM SEXO E AS MULHERES FAZEM AMOR? "

" As mulheres se admiram como um homem que estaciona o carro em uma vaga apertada só olhando pelo retrovisor não sabe onde fica o ponto G. "

" Se uma mulher está dirigindo e se perde, pára e pergunta. Para o homem, isso é sinal de fraqueza. Ele roda em círculos por horas, resmungando coisas como 'estamos chegando'."

" Minha mulher consegue enxergar um fio de cabelo louro no meu casaco a cinquenta metros de distância, mas sempre esbarra na porta da garagem quando guarda o carro".

" A mulher conhece as esperanças, os amigos, sonhos, romances e medos secretos de seus filhos. Sabe em que pensam, como se sentem e, geralmente, que travessura estão planejando. O homem mal percebe aquela gente miúda que mora na mesma casa que ele. "

" Os homens costumam escolher cartões com mensagens bem longas. Assim, sobra menos espaço para escreverem".

" Primeira regra para se comunicar com um homem: seja objectiva! Dê-lhe uma coisa de cada vez para pensar ".

" A mulher não tem senso de direcção, mas o homem nunca encontra as meias na gaveta".

" Se a mulher está infeliz no relacionamento, não consegue se concentrar no trabalho. Se o homem está infeliz no trabalho, não consegue se concentrar no relacionamento".

" Para fazer sexo, a mulher precisa de motivo. O homem precisa de lugar".

" A mulher quer muito sexo com o homem que ama. O homem quer muito sexo."

" O que os homens procuram : personalidade, boa aparência, inteligência, humor, corpo bonito. O que as mulheres pensam que eles procuram: boa aparência, corpo bonito, peito, bunda, personalidade "

" Todo homem tem a fantasia de fazer sexo com duas mulheres ao mesmo tempo. As mulheres gostam da ideia. Pelo menos, teriam com quem conversar depois que ele pegasse no sono ".

" O homem prefere esperar pela mulher ideal, mas, com o passar do tempo, só o que consegue é ficar mais velho ".

" Depois de casado, o homem sabe tudo sobre sua mulher. Então, para quê conversar?"

E este livro tem 233 páginas.




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2004-11-24

É pró menino e prá menina 

Praticamente em primeira mão, e porque sei que ninguém vai contar à minha filha, aqui anuncio que comprei para lhe oferecer no natal um homem aranha. É claro que não será este o seu presente, o grandalhão, digamos, e é claro que eu não gosto especialmente do homem aranha. Também não é para eu brincar, é facto.
A questão é que depositei nas traquinas mãos da minha filha um desses catálogos de supermercado para que escolhesse o que mais gostava de receber pelo natal. Depois de pouca (pouquíssima!!) parcimónia na escolha disse-me que gostava que um dos seus primos recebesse um homem aranha já que o homem aranha é brinquedo de menino.
Ora eu que aplico muita da minha energia a tentar que cresça sem preconceitos, não podia deixar passar em branco esta falha. Então há certos brinquedos que só podem ser para menino ou para menina? Não pode ser. Então hoje, por brincadeira (e por um certo princípio), lá lhe comprei um. A rapariga dos embrulhos estranhou o laço cor-de-rosa, mas os adultos também podem ser (re)educados.
Acredito que o somatório destas pequenas coisas ajudam na formação dos adultos que serão estas crianças. Se crescerem a pensar que há brinquedos próprios para cada sexo, far-lhes-á sentido que haja tarefas, trabalhos, atitudes e modos de estar próprios para cada sexo. E as mulheres continuarão a ter de provar muitas mais qualidades para ocuparem os mesmos cargos que os homens; eles continuarão a ajudar nas tarefas domésticas em vez de as partilharem; elas continuarão a ser uma espécie de prolongamento das mães deles; eles continuarão a acreditar que o choro é coisa de mulheres; e por aí fora.
Parece exagero, mas reparem que são estes pequenos conceitos que abrem espaço a outros maiores e proporcionalmente mais graves.
Então a Carolina terá o seu homem aranha ainda que alguém tenha a triste ideia de lhe oferecer mais uma barbie (para mais tarde lhe dar cabo da cabeça pensando que tem de ser ultra magra para poder ser gira) para fazer companhia ao super-herói. E se me pedir um carrinho ou um camião também lho dou, assim o orçamento o permita.
Ela até sabe que o pai natal apenas faz o transporte e distribuição das prendas, que são a família e os amigos quem conta os euros para poder comprar as prendas aos meninos, aqueles que as podem receber (o resto da verdade virá a seu tempo, que ainda tem espaço para acreditar em fadas).
E com tudo isto, começou a loucura do natal.




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2004-11-23

Do hino do PSD 

O PSD, numa tentativa(?) de renovar a sua imagem perante os seus militantes e perante nós, que assistimos incrédulos ao seu desempenho enquanto Governo, criou e adoptou um novo hino para si. Nele salientam-se as incongruências, a falta de estética, a falta de qualidade literária em geral, a referência ao presidente do partido obrigando os seus militantes a idolatrarem Santana Lopes sempre que lhes seja pedido que o cantem, entre outras coisas de que, certamente, me lembrarão.
Mas faz-nos também pensar que, na medida em que um hino pretende prestar homenagem ao seu objecto e, de algum modo, retratá-lo, este partido, mais importante, este partido agora governante, perdeu toda a sua lucidez.
Ora leiam e depois desmintam-me, se fôr possível:

Somos actores da história
de coragem e de glórias
pátrio orgulho do passado
abraçado pelo mar.

Para vencer os desafios
desse povo soberano
abre a porta ao destino
que o futuro quer entrar.

Queremos mais Portugal
grande luso pequenino
nova força para o mundo
geração Portugal.

Grita Viva Portugal
pede a alma, bate o peito
nova força para o mundo
meu orgulho Portugal.

Tempo novo de acreditar
de ser mais feliz
de ser PSD
sempre mais e melhor.

Santana Lopes é a voz
na vanguarda do futuro
de norte a sul
de todos nós.

Grita Viva Portugal
meu orgulho, meu país
nova força para o mundo
Grita Portugal!





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2004-11-22

Excertos dispersos (1) 

"Deixei de chorar há muito tempo, quando as dores no corpo me começaram a doer mais do que as outras. É que, sabes?, chorar faz doer o corpo. A dor começa, aguda, nas mãos, na base do polegar. Depois sobe pelos braços, enrola-se na garganta e começam as convulsões. Então choramos, ou melhor, vertemos lágrimas, que todo este processo é já o pranto, em si mesmo.
Depois das lágrimas chega a dor generalizada. Todo o corpo te dói, como se estivesses a ressacar. Só em alguns momentos perdura o efeito do pós-orgasmo, mas são tão raros que não valem o risco.
(...)
Acima de tudo, dói-te. E ficas cansada. E envergonhada. E sentes-te patética, quer tenhas chorado sozinha ou o tenhas feito na presença de alguém.
Chorar é sempre embaraçoso. Como embebedar-nos. Sabes que fizeste figuras tristes, que te descontrolaste, mas não sabes muito bem como o fizeste.Como numa ressaca, o pior é sair desse estado, sair de novo para o sol.
Por isso deixei de chorar há muito tempo. Agora apenas encolho os ombros. Não me envergonho nem incomodo ninguém.
Além disso, chorar não é tão libertador como dizem. Deixa-te os olhos fundos, a boca descaída, as mãos frias.
Por isso encolho os ombros. Não te parece melhor? Bebes mais um copo, fumas mais um cigarro e, de óculos escuros, olhas o sol de frente e mostras-lhe o teu dedinho do meio."




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2004-11-19

Bandeira rubra 

"Bandeira Rubra" é o título de uma canção muito ouvida após o 25 de Abril. Guardei-a na memória, como muitas pessoas, imagino, mas apenas o refrão. Esqueci a letra, entretanto. Tenho-a procurado na internet, entro em todos os fóruns a pedir a letra mas, curiosamente, não tenho encontrado quem a saiba na íntegra. Até hoje.
Agora, para que fique disponível a quem a procure ou a queira conhecer, aqui a transcrevo.

Avante povo
Com sangue novo
Bandeira rubra
Rubra bandeira
Avante povo
Com sangue novo
Bandeira rubra
Triunfará
BANDEIRA RUBRA DEVE TRIUNFAR
E VIVA O COMUNISMO P'RA NOS LIBERTAR

Nas oficinas
Dentro das minas
Estão os que esperam
E desesperam
Vamos agora
Está na hora
Bandeira rubra
Triunfará
BANDEIRA RUBRA DEVE TRIUNFAR
E VIVA O COMUNISMO P'RA NOS LIBERTAR

Sem inimigos
E sem fronteiras
Estamos unidos
Rubra bandeira
Ó Proletários
Daí a resposta
Bandeira rubra
Triunfará
BANDEIRA RUBRA DEVE TRIUNFAR
E VIVA O COMUNISMO P'RA NOS LIBERTAR


(Gravação disponível em EP editado pela Metro-Som, da Moviplay)





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2004-11-18

Abóbora cristalizada 

Há gostos para tudo, dizem-me. Mas não me importo. Quero lá saber do que dizem enquanto no aconchego de minha casa ou no desassossego do escritório vou trincando avidamente, como quem come pão com manteiga ao lanche, as minhas barrinhas de abóbora cristalizada.
Há lá prazer gustativo maior! Há lá chocolate que a substitua! O açúcar estaladiço por fora, a frescura e macieza por dentro, a cor de topázio, tudo se alia para um prazer sublime, superlativo, inigualável.
Resisto com dificuldade sempre que vejo estas simples embalagens nas prateleiras dos supermercados. Mas resisto. O pior é quando passo por essas lojas que vendem café, bombons, marmelada, doce de gila ou avelãs, avulso. É que na montra nada mais chama a minha atenção de modo tão desastroso como a abóbora empilhada que adivinho a engrossar-me a saliva, a derreter-se nos meus dentes, a colar-me os dedos. Escolho as barras, as mais finas, em forma de paralelepípedo, as mais claras.
Causa celulite, adverte a minha cara-metade, receando ficar com uma mulher disforme em casa. Mas eu equilibro isto com a dose de ruindade que me é imputada e que, dizem, não deixa engordar.
Comer abóbora cristalizada não tem as características de um vício em que, mais do que o prazer puro daquilo que se faz, se depende de qualquer coisa sem já a usufruir, por isso é tão reconciliador.
Sabe melhor no inverno, sem chuva. Assim nos dias como o de hoje. A acompanhar um livro ou um filme.
Vou comer a última de hoje.




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2004-11-17

Lisnave 

Não sei se é o cheiro dos velhos estaleiros. Não sei se é o rio, ali mesmo à espreita. Não sei se é a imponência da grua. Não sei se é a recordação dos operários saindo aos magotes, calças de ganga, vozes altas, rostos cansados. Não sei se é a imagem dos panos pregados à vedação, exigindo direitos e salário. Ou se é a memória das lutas aí travadas, as concentrações, as chaimites, os sindicatos, as cargas da polícia, os homens e mulheres que daí partiram para a ponte 25 de Abril e outra vez a carga da polícia. Não sei se foram os anos em que os meus pais não traziam dinheiro para casa e o meu pai ia para o trabalho de bicicleta para eu ir de autocarro para a escola. Não sei se foram as noites que passei sem ver a minha mãe porque dobrava os turnos. Não sei se são as amizades que ali nasceram. Ou se eram os barcos. Não sei se eram as festas de natal onde cantávamos que natal “é o fruto que há no ventre da mulher”. Não sei se era o cheiro a tinta ou a cor dos fatos-macaco. Não sei se eram os papões-família-Mello. Não sei se eram as excursões para entregar pelo país os brinquedos para parques infantis que os operários faziam quando a administração recusava trabalho. Ou se era o casaco amarelo que abrigava a minha mãe nas manhãs agrestes de inverno. Não sei se é passar agora pela avenida e ver os autocarros passarem sem parar pelo que parece ser uma cidade fantasma. Não sei se era uma sensação de segurança violenta e inesperadamente abalada. Não sei se é a juventude perdida dos meus pais. Ou a promessa de um sonho que afinal não o foi. Não sei se são os homens tristes. Ou as mulheres envelhecidas. Não sei se é a injustiça. Não sei se é o espectro do capitalismo. Não sei se é a história dos operários que aí morreram em acidentes de trabalho. Não sei se foi a preocupação de ouvir boas notícias do meu pai quando se sabia de mais um acidente. Não sei se são as histórias de amor e infidelidade. Não sei se é porque a comissão de trabalhadores dava aos filhos dos funcionários as prendas de natal que a administração não dava. Não sei se eram os óculos do meu pai sempre picados por soldadura. Ou as pernas da minha mãe queimadas pela água a ferver.
Não sei o que é. Mas sei que me ofenderá ver ali nascer um qualquer empreendimento para que morram os homens e mulheres que ali começaram por ser jovens.




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2004-11-16

Carta aberta ao menino jesus 

Há quem, por altura do natal, entristeça, entre em depressão, se entregue à nostalgia, eu sei lá.
Por mim, não tenho essa hipótese, ainda que a época significasse, para mim, mais do que uma entrega desenfreada ao consumo. Parece assim quase cinismo, não é? Mas com o passar do tempo o natal deixou de ter magia. Cresci, é o que é. Entre outras coisas. A minha pequena filha “obriga-me” a celebrar o natal, claro. Mas o apelo sentimental da época, perdi-o.
Ainda por cima, nesta altura, tendo a ter certos azares. Não sou supersticiosa, mas lá que os percalços escolhem esta época para me importunar, disso não haja dúvida.
Este ano é o gás. E uma misteriosa infiltração numa parede. Obrigada a todos os que tornaram possível o subsídio de natal porque assim já tenho onde recorrer para fazer face às tuas partidas, ó menino jesus tão galhofeiro.
Ou então, não é de azares que falo mas de... corrupção. Eu explico. Antes ainda de expirar o seguro de construção da minha casa (cinco anos), já me lanço para o terceiro esquentador. E não, não se trata de defeito de fabrico dos aparelhos nem de capricho meu em fazer compras. O que se passa é que foi emitida uma licença de habitação sem que estivessem reunidas todas as condições para que tal acontecesse. Ou seja, a extracção de monóxido de carbono não acontece porque alguém facilitou onde nunca poderia ter facilitado. Então, para libertar os 175 ppm provenientes do esquentador cá de casa, em vez dos 49 aceites como seguros, resta-me a janela que devo manter de par em par nestas noites tão amenas (!!). Eu sei que o advogado do construtor é casado com a advogada da Câmara e que isso invalida, à partida, qualquer processo judicial, mas é legítimo que isso nos coloque em perigo, cá por casa? Ou que tenha de esperar que a minha filha saia da cozinha para poder abrir a água quente?
A infiltração poderia ser só um azar, também. Mas não é. Resulta do refluxo provocado pela acumulação de monóxido de carbono não extraído pelo esquentador.
E pronto, começo a habituar-me a direccionar o meu subsídio de natal para a compra de esquentadores, que sempre são mais úteis do que castelos ou Fadas Sininho, mas que não fazem a minha filha sorrir tanto e deveriam durar uns anitos mais. E afinal, vou carregar o empréstimo para a casa durante uns bons anos, e não é assim tão pouco.
É isto o que temos, mas não é isto que merecemos nem sequer o que queremos, ó menino jesus adormecido.




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2004-11-15

Fungagá da bicharada 

Lembram-se do Fungagá? (Não, não estou a falar dos tempos que correm...) O velho disco do José Barata Moura (sim, tenho-o autografado!!), com canções infantis, daquelas tão bem feitas que à medida que crescemos e o continuamos a ouvir, conseguimos ir descobrindo as mensagens "subliminares" que as líricas contêm.
"O Manel tinha uma bola" e "Era uma vez um rei" não fazem parte do disco, mas fizeram parte dos primeiros dias de vida da minha filha, por terem feito parte da minha. Depois conheceu as outras e aprendeu-as. Enquanto eu as revivia.
Agora foi o momento de as (re)visitar(mos). No fim de semana lá rumámos nós em direcção ao Teatro da Trindade, de mochila abastecida, mãos frias e brilho nos olhos. Depois de se sentar ao lado do homem de lata (tenham paciência, mas no seu imaginário cabe o Feiticeiro de Oz, não o Fernando Pessoa), os sentidos estavam despertos para o teatro.
À Cidade do Penteado (lembram-se desta?) chega uma família de artistas numa roulotte transformável em palco, pronta a apresentar-nos as suas filhas Joanas, o seu filho Manel, a avó Insulina e o barrigudo rei que aí reinava. Pelo meio as palmas, o espanto, o sorriso, as cantorias das crianças, o ar ameninado dos adultos, saudosos, enquanto as sempre boas letras do Barata Moura, as antigas e as novas, vão desfilando por entre ritmo, cores, gargalhadas, alegria e até mesmo alguma empatia.
E valeu. O espectáculo está cativante, bem montado, entregue, profissional. Gostei. E presumo que a minha filha também, a julgar pelo pedido de que voltemos para o rever.




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2004-11-12

Morreu Yasser Arafat 

Já tinha escrito sobre Arafat. Poucas palavras, que mais não eram necessárias. Continuam a não ser, mas insiste esta minha vontade.
Morreu um homem. Mas com esse homem morreu o símbolo da luta por valores defendidos de forma coerente. Morreu o Presidente do Estado da Palestina, título que soube merecer na sua condição de homem imperfeito.
Com a morte deste homem, anunciada antes de o ser, reacende-se a dúvida, o medo, a confusão. Adivinha-se o descalabro, a nova luta por uma liderança que ele conquistou com pulso firme.
Enquanto, ansiosos, esperamos estar enganados em relação à cor do futuro que nos aguarda, aqui deixo um soneto do Ary, com que tomo a liberdade de me despedir de Yasser Arafat:

Meu irmão que morreste não foi hoje
que amanheceu a nossa madrugada
tu tens o que viveste mas quem foge
continua sem corpo e sem morada

De todas as palavras que me deste
Apenas uma fica murmurada:
Onde estás liberdade que perdeste
Quando a libertação foi decretada?

Talvez naquele gesto tão distante
Em que arriscaste tudo na partida
Meu irmão camarada suicida

Aqui neste lugar e neste instante
Nenhuma voz nos deve ser bastante
Não vale a morte quanto pode a vida.




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2004-11-11

República do Gerúndio 

Cirandando pela blogosfera nesta noite de insónia, e dedicando-a especialmente às terras além do Tejo, encontrei um Alentejo vivíssimo e pululante, quase como no tempo da Reforma Agrária, com a diferença de que agora a reforma é outra.
Entre muita coisa interessante –textos, fotografias, expressões desenterradas lá do canto da cavalariça mais escura- encontrei aquilo que me fez sorrir e serenar: o Alentejo descrito como a República do Gerúndio.
É que é apanágio desta província falar assim ao mesmo tempo que se “cantam” as palavras. “Estou conversando” transmite muito mais calma e continuidade do que “Estou a conversar”; ninguém contesta, pois não?
Nesta “República do Gerúndio” a vida parece arrastar-se ao ritmo a que se conjugam os verbos, sob o famoso sol escaldante, na mais do que conhecida planície. Mas isso era dantes. Estes blogs que, para mim, são, neste momento, o retrato mais fiel a que tenho acesso, já que o “meu” Alentejo continua a ser o da calmaria, o da casa dos avós, o do lume aceso, o da linguiça a pingar no pão, vieram mostrar-me que o Alentejo é muito mais do que isso, pulsa mais do que nos apercebemos. E ainda bem.
Para nós, aqui no bulício da cidade grande, parece que tudo o resto é pequeno e atrasado. Como somos nós próprios atrasados. Ou eu, obviamente.
O Alentejo cresce, aparece. Chega de o considerar província, no seu sentido quase pejorativo.
Tem avondo!




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2004-11-10

Arafat 

As notícias sucedem-se, contraditórias, mas o desfecho é certo: a morte de Arafat.
Com a sua morte o processo de paz no Médio Oriente vê-se comprometido, já o sabemos.
Se não está morto ainda, nada indica que poderá sobreviver ao coma; se já morreu, adia-se a notícia para segurar, na medida do possível, o adivinhado descalabro, por mais consensual (se possível) que seja a escolha de um novo líder.
Ainda que surjam agora os inevitáveis rumores sobre contas bancárias e relacionamentos pessoais, que em nada alterarão os 36 anos que Arafat dedicou a esta justa causa, para a nossa memória fica a imagem de um homem que fez da sua vida a luta pelos direitos do seu povo, do seu país, que é de um país que se fala.
Para a minha memória fica o kuffieh usado como símbolo da libertação de todos os povos.
Mas este texto não é uma homenagem. Nem uma despedida ainda. É apenas a vontade de marcar os dias da sua morte lembrando que, não havendo homens perfeitos, nos fazem falta mais alguns que acreditem e defendam ideais de justiça social.




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2004-11-09

A mala de Sport Billy 

É voz corrente que as malas das mulheres são um mundo. Toda a gente diz que não se encontra nada lá dentro. Mas não é bem assim. Encontra-se tudo, depois de algum esforço.
Para encontrar uma moeda perdida na sua mala, a minha parceira de blog viu-se obrigada a despejar o seu conteúdo e eis o que encontrou:
1 relógio de pulso
1 alça branca de soutien
1 alça preta de soutien
1 tamagotchi
1 mola de roupa
3 tangerinas
1 corta-unhas
1 caixa de pastilhas
2 telemóveis
2 maços de tabaco
literatura inclusa de um medicamento
1 esferográfica
1 frasco de acetona
1 bâton para o cieiro
1 mola de cabelo
1 eyeliner
1 tampão
1 molho de chaves
2 ganchos para o cabelo
1 par de brincos
No final, a desejada moeda para pagar o café.




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2004-11-08

Monday, monday 

As segundas feiras têm o seu quê de complicado, como toda a gente sabe. Por isso as nossas defesas têm se ser ainda mais funcionais do que em dias normais.
Mas hoje, para mal dos pecados que não cometo por não lhes conhecer o conceito, esqueci-me do walkman.
Ter de fazer mais de uma hora de trajecto com um livro colado aos olhos, mas sem me poder alhear das conversas alheias, é duro, muito duro.
Ainda por cima os fins de semana parecem férteis em fúteis assuntos televisivos. Ainda por cima os meus desconhecidos companheiros de viagem falam fervorosamente de assuntos que não consigo contextualizar mas que me distraem da leitura, por falarem mesmo aos meus ouvidos.
Eu até já estou habituada a que se dirijam a mim, mesmo que eu seja a única nas redondezas com os phones enfiados nos ouvidos, para me pedirem uma qualquer informação, pedido que os obrigo a repetir depois de puxar pelo fiozinho e de lhes mostrar claramente que me incomodaram. Mas logo a seguir volto à música e esqueço a interrupção.
Assim, sem walkman, sou mesmo obrigada a ouvir tudo, mas tudo o que não me interessa.
À segunda feira somos tão pouco generosos.




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2004-11-05

Manhã clara 

E este alinhamento? Faz ou não faz valer a manhã? A sexta-feira? A vontade de reacordar a liberdade?

1. Amañece libertad
2. Tejo que levas as águas
3. Papá cuenta-me outra vez
4. Cantiga d'um marginal do séc. XIX
5. Flagelados do vento leste
6. Monangabé
7. Poema de bancada
8. Os meninos de Huambo
9. Moda da charrua
10. Hasta siempre
11. Cantata da paz
12. A galopar
13. Au Chilli comme a Prague
14. Todo cambia

1. E um dia fez-se Abril
2. Portugal resiste
3. El maestro
4. O homem dos sete instrumentos
5. No nos moveran
6. Canta amigo canta
7. Les anarchistes
8. Retalhos
9. Segunda canção com lágrimas
10. Cancion
11. San Francisco
12. Entre Sodoma e Gomorra
13. Pedra filosofal

Toma!!




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2004-11-04

A bagagem das viajantes 

Porque nem só de vitórias que são derrotas se fazem os dias, e porque um blog é a nossa casa, o espaço onde escrevemos o que nos apetece, muitas vezes sem o devido respeito por quem eventualmente nos lê e possa, assim, ficar a leste, que na casa da empatia não entram todos, apetece-me falar de música, da nossa, "orgulhosas autoras deste blog", da que nos acompanhou o crescimento, da que nos formou, da que arrumámos na prateleira de não-tornar-a-ouvir-ou-cantar-nem-que-chovam-canivetes, de toda, da que nos surgiu enquanto tomávamos, descansadamente, o nosso café, da que cantámos, primeiro em surdina, para não nos ouvirem lá no bar, depois mais alto, que o entusiasmo às vezes faz das suas.
Entre muito lixo, lá surgiram, de nariz levantado, em tom de desafio, as canções políticas, ou antes, as canções interpretadas num tempo de consciência política desperta.
Do nada, como tantas vezes acontece a quem nasceu em ambientes similares e cresceu num mesmo tempo, surgiu o fantástico poema do Ary:

"Tuas palavras
ora de mel, ora de fel
sabem a vida
entram na pele
doem na pele
Tuas palavras
são ternura, amor e morte
são as palavras de um forte
chamado Brel."

Esta canção, cantada já a plenos pulmões enquanto atravessávamos a rua, de braços estendidos para o infinito, numa interpretação exageradamente dramatizada, surpreendeu-nos por julgarmos que apenas cada uma de nós se lembrava dela.
Ainda bem que não é assim, ainda bem que esta, como alguns magníficos poemas do Joaquim Pessoa interpretados por Carlos Mendes, ainda nos ecoam na memória, ainda bem que, ainda que a ferros, conseguimos arrancar da memória melodias que não chegam tão claras assim, entre vozes vacilantes de quem tenta lembrar-se da lírica e uma afinação que fica a dever qualquer coisinha à perfeição.
Ainda bem que nem tudo esquece, que nem tudo se perde, que nem tudo morre.
Ainda bem que há dias assim.




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Citando a Visão, artigo de Miguel Carvalho 

Há poemas que falam por nós e pelos momentos que vivemos. Alexandre O´Neil escreveu «O Poema pouco original do medo» e não estava a pensar no que os EUA nos reservam para os próximos quatro anos. Mas podia tê-lo feito. O medo, afinal, venceu. Teve tudo, vai ter tudo.

«O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos
O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles
Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados
Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)
O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos
Sim
a ratos»




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2004-11-03

Absolvição 

Mas a mudança faz-se devagar, dia após dia, na vida e na consciência de cada um de nós.
"Aos 17 anos é-se uma menina", lembrou a juíza que absolveu a jovem que confessou ter feito um aborto, como tantas outras sozinha e em condições que, só por si, a marcarão para sempre.
Esta absolvição é um sinal positivo de mudança. Mas não resolve nada, por si só. O julgamento destes casos é um absurdo e esta absolvição não nos pode fazer descansar.
Mais uma vez escrevemos aqui sobre o aborto. Porque mais uma vez uma mulher foi julgada em tribunal por o ter feito. Porque todos os dias há mulheres que são forçadas, por algum motivo, a fazê-los.
Desta vez, correu bem, judicialmente falando. Mas correr bem, em verdade absoluta, seria este não ser um assunto.
Com Bush como polícia do mundo, outra vez, os seus pequenos servidores continuarão a sentir as costas quentes para poderem continuar de olhos voltados noutra direcção, que não a do sofrimento alheio e individual, agarrados aos seus preconceitos bacocos, ao seu egoísmo, aos seus sofás confortáveis, aos seus princípios gordurosos.
Aos 17 anos é-se uma menina. Em qualquer outra idade é-se uma menina, uma mulher, um homem, e esta decisão nunca é fácil, a sua concretização menos ainda.
Que isto valha alguma coisa.




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Continuando a perder 

Eu queria que o meu post de hoje fosse, de alguma forma, uma manifestação de esperança. De comemorar o mal menor. De dizer adeus a Bush. De acreditar que o mundo vira, ainda que lentamente, no sentido da reconciliação consigo mesmo.
As notícias que nos chegam do lado de lá do oceano não auguram nada disso. A única super-potência do nosso planeta prepara-se para continuar a sua política belicista e prepotente.
Paz às nossas almas.




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2004-11-02

Mudança de hora 

A hora mudou e isso já não é novo. (Re)Habituamo-nos a sair do escritório sem sol, a tentar fazer compreender aos pequenos porque os vamos buscar à escola já de noite, porque já não podemos fazer uma passagem fugaz pelo parque infantil. Damo-nos conta do inverno que se assume como dono e senhor dos nossos dias, mas tudo isto faz parte de um ciclo onde rodopiamos desde que nascemos.
Mas, e se em vez de acertarmos o relógio com uma hora de diferença, o fizéssemos com um ano? Com uma década? Poderíamos nós atrasá-lo para corrigir erros passados, sem cair na tentação de cometer outros? Ou isso é humanamente impossível?
E resultaria adiantá-lo para daqui a um ano, ou dez?
Por mim, sabendo que nada disso resultaria efectivamente, em termos práticos, preferia poder pará-lo em momentos à minha escolha. Pará-lo no riso limpo, puro e voluntarioso da minha filha. Pará-lo no tempo de uma canção, detrás de uma vidraça enquanto chove. Pará-lo enquanto leio palavras bonitas e um chocolate se derrete na minha boca. Pará-lo enquanto faço amor nos lençóis lavados da minha cama e me esqueço do frio. Pará-lo enquanto fumo um cigarro, sem pressa nem vício, apenas pelo prazer e porque tenho tempo para o fazer. Pará-lo numa risada, daquelas que não controlamos, que não conseguimos (nem queremos) parar. Pará-lo em todos e em cada momento de felicidade.
Posso?




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